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Jaraguá do Sul, como grande parte das cidades de Santa Catarina, cresceu e se desenvolveu ao longo das margens dos rios Itapocu e Jaraguá. Colonizada há mais de 150 anos, as famílias que lá chegavam construíam suas residências e empresas nessas imediações.

Com as alterações do Código Florestal, que a partir da década de 1980 aumentou as faixas de preservação permanentes, tais ocupações passaram a estar em conflito com a legislação ambiental brasileira.   

Diante do paradoxo entre a cidade, com a ocupação consolidada às margens dos rios, e a legislação ambiental, que passou a exigir afastamentos maiores, as autoridades públicas, perplexas, permaneciam omissas, permitindo que a cidade continuasse a ocupar indevidamente as áreas de preservação permanente.   

Perante tal conflito e a premência de estabelecer critérios justos e objetivos para a regularização das áreas com a ocupação consolidada, o Promotor de Justiça Alexandre Schmitt dos Santos, responsável pela 1ª Promotoria de Justiça da comarca, com atribuição na área do meio ambiente, reuniu um grupo de trabalho multidisciplinar com o intuito de delimitar as áreas de preservação permanente em área urbana consolidada.   

O Promotor de Justiça relembrou que, "à época, em 2008, por iniciativa da 1ª Promotoria de Justiça, foi criado um grupo de trabalho envolvendo profissionais de várias áreas do setor público e da iniciativa privada para, em uma iniciativa pioneira, diagnosticar a situação e criar uma metodologia justa e baseada em critérios objetivos, para administrar esse conflito". 

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Foram oito anos de trabalho até a edição da Lei Municipal n. 7.235, que entrou em vigor no dia 20 de julho de 2016 e trata da "delimitação da área urbana consolidada do município de Jaraguá do Sul e estabelece medidas para a regularização ambiental e/ou fundiária de imóveis situados às margens de cursos d'água naturais".    

A regulamentação municipal teve como base os enunciados do Seminário "Delimitação de APPs em áreas urbanas consolidadas" e o Guia de Atuação no Ordenamento Territorial e Meio Ambiente, ambos coordenados pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (CME) do MPSC, bem como o Código Florestal.    

"Uma iniciativa de bastante interesse para a grande maioria das cidades de Santa Catarina, que foram colonizadas e se desenvolveram às margens dos rios e que passaram, após alterações legislativas, a estar em conflito com o Código Florestal", evidenciou Schmitt.    

Ele reforçou, ainda, que os trabalhos desenvolvidos pelo grupo liderado pela Promotoria de Justiça não somente permitiram o mapeamento das áreas urbanas consolidadas, com base em critérios objetivos, como estabeleceram uma metodologia para o cálculo individualizado dos afastamentos a serem respeitados em relação a cada trecho de margem de curso d'água. 

Essa metodologia, a ser aplicada somente nas áreas urbanas consolidadas, gera uma linha - chamada linha média calculada - que permite a regularização das ocupações em área de preservação permanente levando em consideração a média da ocupação do entorno, respeitando sempre a distância mínima de 15 metros.    

"Como a distância da linha em relação à margem do curso d'água é estabelecida levando em consideração a ocupação do entorno, há um sentimento de equidade, uma vez que os vizinhos recebem tratamento semelhante. Além disso, o comportamento da linha aproxima-se dos 15 metros nas áreas mais centrais e antigas da cidade, onde a ocupação próxima às margens dos cursos d'água é mais concentrada, e aproxima-se das metragens previstas no Código Florestal nas áreas mais periféricas, onde as ocupações são mais recentes e esparsas", explicou Schmitt.    

Jaraguá do Sul foi a primeira cidade de Santa Catarina a ter uma lei que delimitou sua área urbana consolidada, com base em critérios objetivos, tais como a densidade habitacional e existência de infraestrutura urbana, como vias públicas, redes de energia elétrica, abastecimento de água e coleta de esgoto, além de estabelecer critérios objetivos e individualizados para a regularização ambiental de imóveis situados às margens dos cursos d'água.   

A metodologia inédita desenvolvida pelo grupo de trabalho permite, ao mesmo tempo, regularizar as ocupações nas áreas consolidadas e exigir, nas áreas com a ocupação mais recente e nas áreas de expansão da cidade, o integral respeito às distâncias estabelecidas pelo Código Florestal.   

Além disso, para a regularização dos imóveis, a legislação prevê o pagamento de medida de compensação mitigatória. "Esse é um mecanismo interessante, que já permitiu a arrecadação de mais de R$ 2,4 milhões, que são utilizados única e exclusivamente para a desapropriação de imóveis em áreas de preservação permanente sujeitas a inundações frequentes, recuperação ambiental de tais áreas e implantação de parques públicos. O objetivo é proteger essas áreas, sujeitas a inundações frequentes, da pressão imobiliária e dos aterros e edificações, que agravam ainda mais os problemas com inundações na cidade", ressaltou.    

O Promotor de Justiça Alexandre Schmitt do Santos aponta que "dois exemplos da utilização das verbas com as medidas de compensação são o Parque Linear Via Verde e o Parque da Inovação, destinados a receber grandes volumes de água em caso de cheias dos cursos d'água, diminuindo as inundações na cidade. Ambos os parques são intensamente utilizados pela população local e, nas últimas enchentes, comprovaram sua utilidade, diminuindo os impactos das inundações", enalteceu.    

Principais resultados da legislação 

A publicação da lei municipal com parâmetros para a definição de área urbana consolidada permitiu a regularização das ocupações em área de preservação permanente. Foram emitidas, até o momento, 1.343 certidões de área urbana consolidada, com centenas de imóveis regularizados. Além disso, como medida de compensação mitigatória, o Município já arrecadou R$ 2,4 milhões.    

Outro resultado foi o Município ter adquirido, por meio dos recursos arrecadados, sete terrenos em áreas inundáveis e implantado dois parques públicos municipais, construídos de modo a possibilitar o recebimento de água decorrente de inundações.    

Por fim, a Defesa Civil municipal apresentou os índices pluviométricos dos últimos anos em Jaraguá do Sul, demonstrando que os acumulados de chuva de 2022 foram maiores que os dos anos anteriores, inclusive de 2008 e 2014, quando ocorreram graves inundações na cidade, e não foram registrados danos nesse período.  

Prêmio José Daura    

O projeto iniciado em 2008 em Jaraguá do Sul tornou-se lei municipal em 2016 e já demonstra resultados positivos na cidade. Também tem sido replicado em outros Municípios, com pequenas adaptações às realidades locais. Agora, ele é um dos cinco finalistas da segunda edição do Prêmio José Daura. A premiação do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) busca estimular e disseminar a atuação inovadora e resolutiva, orientada por uma cultura institucional que tem como finalidade entregar resultados com relevância social. O vencedor de 2023 será conhecido no dia 14 de dezembro, na sede do MPSC em Florianópolis.