O casarão do início do século XX localizado no número 610 da Rua Frei Caneca, no bairro Agronômica, em Florianópolis, chama atenção pelo estado de abandono e deterioração permanente. Aberturas quebradas, paredes pichadas e parte do teto consumida por um incêndio que deixa o interior do imóvel exposto ao tempo e sujeito a invasões constantes de pessoas em situação de rua.
Uma medida liminar obtida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) em ação civil pública é o passo inicial para mudar este panorama. Dos balaústres da escadaria às esquadrias da janela, a casa que pertenceu a Vidal Ramos e sua família, além de relevância histórica e cultural, tem o potencial de ser uma referência arquitetônica em Florianópolis.
A ação foi ajuizada pela 28ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital após uma série de tratativas extrajudiciais infrutíferas para que a empresa proprietária do imóvel - a Construtora Santa Catarina LTDA. - promovesse as obras necessárias à preservação e restauração do imóvel em processo de tombamento - uma obrigação definida em lei.
De acordo com a Promotora de Justiça Analu Librelato Longo, após o início do processo de tombamento, em 2019, e vistoria realizada pela promotoria de Justiça juntamente com a empresa dona do imóvel e representantes da Prefeitura Municipal, foi verificada a degradação do imóvel e a necessidade de intervenção urgente.
Desde então, foram realizadas seis reuniões pelo Ministério Público, cinco delas com proposta de termo de ajustamento de conduta para a resolução do problema e restauração do imóvel histórico - sempre recusada pelos proprietários, alegando falta de condições financeiras.
Diante do impasse e da manutenção da situação que só agrava as condições do prédio, a Promotora de Justiça ingressou com a ação, que tem como objetivo final o restauro e conservação do imóvel e a concessão de medida liminar para evitar a total degradação até o julgamento do mérito da ação. Em caso de colapso da construção no curso do processo que não permita mais a restauração, a Promotoria de Justiça requer o pagamento de indenização de R$ 9,7 milhões, valor estimado do bem a ser protegido.
A medida liminar deferida pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital determina que a construtora - como requerido pelo Ministério Público - promova a adoção de medidas emergenciais para prevenir o colapso da edificação e realize obras para impedir novas invasões no imóvel.
A decisão judicial determina a construção de uma cobertura provisória, a vedação temporária e eficaz das edificações - são duas casas no terreno - e a instalação de placa informativa com a identificação do bem histórico no prazo máximo de 90 dias, sob pena de multa de R$ 1 milhão, a ser revertida para o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina (FRBL).
"Ao longo dos últimos anos a Promotoria de Justiça vem fazendo reuniões, ouvindo as dificuldades e a realidade dos proprietários dos bens tombados, e a partir disso, ancorados na resolutividade e na consensualidade, firmando termos de ajustamento de condutas para preservação desses bens. No caso desse casarão, não faltou disposição e abertura por parte do MPSC para chegar a um acordo. Mas, um acordo precisa da vontade de ambas as partes, o que não ocorreu. Então, buscando proteger esse bem tombado, usamos do meio mais caro e longo para resolver a situação, que foi a propositura da ação civil pública. Felizmente, a Magistrada percebeu a gravidade da situação e concedeu a liminar. Por mais que sejamos defensores da negociação, quando a outra parte se nega ou sequer atende aos convites de reunião, a judicialização se mostra como a única porta!", destaca a Promotora de Justiça.
Valor histórico e arquitetônico
A casa de número 610 na rua Frei Caneca foi provavelmente construída entre 1910 e 1920 e pertenceu por gerações à família de Vidal Ramos, político que governou Santa Catarina de 1910 a 1914, além de ter sido deputado provincial, deputado federal e senador. Há relatos históricos de que ele tenha residido lá com seus filhos, dentre eles Nereu Ramos, único catarinense Presidente da República.
Trata-se de um conjunto de dois sobrados de estilo arquitetônico eclético, cuja presença constitui marco referencial de antigo caminho histórico de acesso ao interior da Ilha de Santa Catarina, indicado em mapas da cidade desde 1819, conforme citado na justificativa para o tombamento das edificações.
Esse traçado urbano, no Século XVIII, constituía um caminho que, contornando o Morro da Cruz, fazia ligação entre o Centro da cidade e a freguesia de Trás-do-morro, atualmente conhecida como Bairro Trindade, além dos fortins de São Francisco Xavier, São Luís e o Forte de Sant'Anna.
Além da importância histórica do traçado urbano, que fazia ligação do núcleo urbano da cidade com o interior da Ilha, as edificações objeto dos autos estão erguidas na região conhecida como antiga Chácara Gonzaga e guardam aspectos arquitetônicos de relevância cultural, compostos de elementos da arquitetura eclética, com pilastras com capitéis trabalhados, abertura com verga em arco plenos, dois tipos diferentes de plantibandas, entre outros.