O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) obteve a condenação de um médico obstetra pelos crimes de homicídio simples de um feto por omissão penalmente relevante e falsidade ideológica de documento público. A pena aplicada foi de oito anos e dois meses de reclusão, mais um ano e seis meses e 20 dias, em regime inicial fechado. A sentença foi proferida nesta quinta-feira (29/5) pelo Tribunal do Júri da Comarca de Indaial.
O caso teve início em julho de 2015, quando uma mulher com cerca de 34 semanas de gestação foi internada no Hospital Beatriz Ramos com fortes dores e sangramento. Mesmo sendo o médico responsável pelo acompanhamento pré-natal da paciente e sabendo da gravidade do quadro clínico, o réu deixou de prestar o atendimento necessário, o que resultou na morte do feto por hipóxia aguda, causada por descolamento prematuro da placenta.
Segundo apurado, o médico foi informado diversas vezes, por telefone, sobre o agravamento do estado de saúde da gestante, inclusive durante a madrugada de 15 de julho. Apesar disso, recusou-se a comparecer ao hospital, limitando-se a prescrever medicamentos de efeito sedativo e a adiar o parto para a manhã seguinte. Em uma das ligações, chegou a afirmar que "a paciente e a família estavam enchendo o seu saco a semana toda".
Durante a madrugada, a paciente continuou a apresentar dores intensas e sangramento, e os batimentos cardíacos do feto indicavam sofrimento fetal. Ainda assim, o médico manteve a decisão de não ir ao hospital. Apenas por volta das 8 horas do dia seguinte à internação ele compareceu à unidade, mas ainda assim atendeu outros pacientes antes de avaliar a gestante. Quando finalmente autorizou a cesariana de emergência, o feto já estava sem vida.
Além da omissão no atendimento, o médico foi condenado por falsidade ideológica ao inserir informação falsa no prontuário hospitalar, alegando que a cirurgia cesariana teria sido realizada duas horas após a solicitação da sala cirúrgica, o que fez para tentar encobrir a sua conduta anterior, o que não condizia com a realidade.
O regime inicial de cumprimento da pena será o fechado, com execução imediata da condenação, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a soberania dos vereditos do júri. Embora o réu tenha acompanhado todo o julgamento presente na sessão, ao final se evadiu, no momento da votação dos quesitos pelos jurados. Em razão disso, a ordem de prisão pela condenação não pode ser cumprida imediatamente, mas o mandado de sua prisão foi devidamente expedido pela juíza ao final dos trabalhos.
Os Promotores de Justiça Thiago Ferla e Louise Schneider Lersch conduziram a acusação perante o Tribunal do Júri.
"A dor que aquela mãe sentiu, por mais de 24 horas, não se compara à que ela sente até hoje pela perda da filha, em razão da criminosa omissão do seu médico de confiança. O processo provou que aquele médico, que deveria trazer o bebê à luz, deixou uma família inteira nas trevas. Mas isso não passou impune e neste julgamento a comunidade de Indaial, por seus jurados, deu a devida resposta com a condenação pelos crimes que ele cometeu. Foi um júri difícil, muito emotivo, que ao final garantiu justiça à vítima", considerou Ferla.
"Causa um impacto muito grande, porque a gente percebe que as vozes de duas mulheres pedindo socorro foram ignoradas e menosprezadas: a da mãe e a da sua filha. Os pais, que acompanharam com muita emoção todo o julgamento, disseram que passaram 10 anos esperando por justiça pela vida da filha que lhes foi tirada por uma omissão injustificável. Eles esperam que situações como essa não se repitam. É um importante alerta sobre a necessidade constante de campanhas contra a violência obstétrica, pois o tratamento desumanizado das gestantes pode levar a consequências terríveis, como aconteceu nesse caso", avaliou Lersh.