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Embora se reconheça a necessidade de superação do atual Código de Processo Penal (CPP), um diploma retalhado por inúmeras alterações sem correlação sistêmica e sobretudo com a Constituição da República, o Projeto de Lei (PL) n. 8.045/2010, que tramita na Câmara dos Deputados, revela, ao contrário do que anuncia, inúmeras inconsistências e vícios constitucionais. 

 Na forma como apresentado, o projeto que visa instituir o novo Código de Processo Penal parece ser concebido para funcionar em outro planeta, sem a menor consciência da realidade em que vivemos. Por isso, tal projeto consegue tornar o CPP ainda mais ineficiente, consagrando a impunidade e a injustiça social. 

 A usurpação de funções constitucionais do Ministério Público e da polícia judiciária, a ofensa a direitos de vítimas e testemunhas (especialmente de proteção e segurança), além da deformação do procedimento do Tribunal do Júri, tornando-o inviável e um campo minado para nulidades, constituem alguns vícios da proposta legislativa. 

 Além disso, propõe que o Ministério Público somente poderá investigar quando houver risco de ineficácia da apuração policial de crimes em razão do poder econômico ou político, ou seja, o órgão assumiria uma investigação já fracassada. Vale dizer, a proposta representa a reedição da PEC 37 e terá como consequência prática a eliminação de operações realizadas pelos GAECOs e forças-tarefas contra organizações criminosas, envolvendo crimes de corrupção, desvios de dinheiro público e lavagem de dinheiro. 

 A deformação do Tribunal do Júri passa pela indevida exclusão da fase do sumário de culpa, na qual são produzidas provas perante o juiz. Isso causa, numa tacada só, a inviabilização da prova testemunhal e o direito do acusado de contar com um procedimento de maior filtro e análise probatória. Ademais, incorre em flagrante inconstitucionalidade quando prevê a eliminação do sigilo das votações, devido à exigência de unanimidade e debate entre os jurados acerca do veredicto. 

 É preciso que a sociedade brasileira esteja ciente do que está sendo gestado pelo PL 8.045, dos obstáculos criados à atuação do Estado no enfrentamento à criminalidade, tanto em relação a crimes de sangue como a crimes praticados por organizações criminosas, e que tempos ainda mais severos de impunidade e violência se abaterão sobre todos nós.

Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e da Segurança Pública (CCR) do Ministério Público de Santa Catarina, Promotor de Justiça Jádel da Silva Júnior.